Cooperativas lideram iniciativas de combate ao aquecimento global
O aumento da temperatura do planeta já é uma realidade. Ano após ano, sentimos na pele e na economia os efeitos do aquecimento global. Julho de 2023 foi o mês mais quente da Terra desde 1940, quando os termômetros chegaram a marcar 52 graus Celsius (°C) na China e ondas de calor foram registradas em várias partes da Europa e da América do Norte. Centenas de pessoas morreram, plantações foram destruídas, as queimadas aumentaram e o delicado equilíbrio de diferentes ecossistemas foi afetado.
Dispostas a ajudarem a combater o aquecimento global, diversas cooperativas brasileiras têm trabalhado de forma sistemática para reduzir as emissões de gases de efeito estufa na natureza, principalmente do dióxido de carbono (CO2) — gás liberado para na queima de combustíveis fósseis, no desmatamento e queimada de florestas, na indústria e também na geração de energia não renovável. Quer ver? Segue o fio.
PIONEIRISMO NO NORDESTE
Na ensolarada João Pessoa, capital da Paraíba, um grupo de engenheiros teve uma ideia inteligente: aproveitar o potencial da região e utilizar energia solar em suas residências para reduzir (ou até mesmo zerar) o valor da conta de luz. Só havia um problema: eles não tinham como instalar os equipamentos necessários porque viviam em apartamentos, longe uns dos outros.
A solução foi unir forças e criar, em 2019, a primeira cooperativa de energia renovável do Nordeste, a Coopsolar, que trabalha no mercado de geração compartilhada de energia fotovoltaica. O grupo instalou, inicialmente, três usinas na Região Metropolitana da capital, que hoje produzem energia para mais de 60 famílias cooperadas.
Além de garantir o abastecimento com energia limpa e mais barata, a atuação da Coopsolar também ajuda a enfrentar as mudanças climáticas que se agravam a cada dia, exigindo respostas urgentes de governos, empresas e da sociedade. Afinal, cerca de 86% das emissões de dióxido de carbono do mundo vêm da queima de combustíveis fósseis para a produção de energia e materiais plásticos. O percentual mostra o tamanho do desafio em alguns setores e a relevância de iniciativas de energia renovável como a desta e outras cooperativas.
“Em geral, a energia solar gerada só pode ser utilizada para o CPF ou CNPJ que está vinculado a quem produziu. No caso da geração compartilhada, a cooperativa tem esse poder de distribuir essa energia entre os seus cooperados. É um grande benefício que só é possível nesse modelo”, explica o presidente da Coopsolar, Eduardo Braz.
No caso da Coopsolar, foi a união dos cooperados fundadores que viabilizou o investimento necessário à implantação das primeiras usinas solares da cooperativa — que ainda têm custo alto no Brasil. Para se ter uma ideia, a compra e instalação dos equipamentos para uso individual em um imóvel de pequenas dimensões custa, em média, R$ 20 mil.
Atualmente, a cooperativa tem cinco usinas fotovoltaicas, instaladas nos municípios de Pitimbu, Lucena e Conde, na Região Metropolitana de João Pessoa, e de Boqueirão, próximo a Campina Grande, no interior do estado. Cada uma produz de 11 mil a 16 mil Kilowatt/hora de energia por mês, que são fornecidos aos cooperados de acordo com a demanda de cada um, por meio da distribuidora de energia estadual, em um sistema de créditos.
A Coopsolar tem dois modelos de participação: o cooperado pode investir na infraestrutura e ter direito a uma cota da usina, no modelo conhecido como prosumidor; ou optar pela assinatura de energia, sem ser sócio nos equipamentos. Entre os 63 cooperados, 51 têm cotas nas usinas, e os demais são assinantes.
Seja como produtor de energia ou consumidor, o cooperado tem benefícios diretos com a utilização de energia limpa, renovável e de fonte conhecida, com economia na conta de luz, e, claro, dando sua contribuição para o futuro do planeta. Por ano, o total de energia gerado pelas usinas da Coopsolar – 830 MWh – equivale a 105 toneladas de CO2 que deixaram de ser lançadas na atmosfera.
MENOS CARBONO NO CAMPO
O aquecimento global tem impactos para as pessoas e a biodiversidade de forma geral, mas em alguns setores as consequências são mais visíveis, como na agricultura, em que a crise climática pode até inviabilizar os negócios por causa de secas ou cheias extremas.
Responsável por 48% da produção agropecuária nacional, o cooperativismo está atento a esse cenário e as cooperativas deste ramo lideram iniciativas de combate ao aquecimento global em várias partes do país.
No Sul do Brasil, a Copercampos – uma gigante cooperativista de cereais, sementes, insumos e agroindústria – aposta na inovação para reduzir emissões de CO2 em suas áreas de produção em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul.
Em parceria com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), a cooperativa criou um programa para avaliar a qualidade de manejo dos solos e identificar as melhores oportunidades de retenção do carbono na terra, evitando a emissão do gás para a atmosfera.
Uma das etapas do diagnóstico é a avaliação do potencial de resgate de carbono das lavouras. Em seguida, por meio do projeto Clube do Carbono, a Copercampos incentiva seus cooperados a utilizar técnicas como o plantio direto na palha e outras práticas conservacionistas.
No plantio direto, a semeadura é feita na palha da cultura anterior, sem a necessidade de queimar a área nem de revolvimento da terra, reduzindo a liberação de CO2. A incorporação da matéria orgânica ao solo também mantém a umidade e beneficia a nutrição das plantas, gerando impactos positivos na produtividade.
Além dos benefícios imediatos, o Clube do Carbono também pode abrir portas de um novo mercado para os cooperados da Copercampos: o de créditos de carbono. É que as emissões evitadas com a agricultura de baixo carbono podem ser contabilizadas e transformadas em um ativo financeiro negociado no mercado internacional.
“Para impulsionar o mercado de carbono no Brasil, é necessária a promoção da agricultura de baixo carbono e ter parceiros que prestem suporte na mensuração destes dados. Estamos trazendo o tema para debate e também desenvolvendo este programa do Clube do Carbono entre os associados para que possamos ter maior produtividade no campo e sustentabilidade em todo o sistema de produção”, ressalta o gerente de Assistência Técnica da Copercampos, Fabrício Jardim Hennigen.
Além da retenção do carbono na terra, a cooperativa catarinense tem outras estratégias de redução de emissões de CO2 em sua cadeia produtiva, como investimentos em energias renováveis. A cooperativa tem uma usina fotovoltaica com 4. 456 painéis, responsáveis pela geração 1,9 mil Megawatt/hora (MWh) de energia solar por ano. Desde a instalação, a usina evitou a emissão de 4 mil toneladas de CO2, que seriam produzidas com o uso de energias não renováveis, como a de termelétricas.
A próxima iniciativa descarbonizante da Copercampos é a instalação de uma planta de produção, purificação e pressurização de biogás oriundo dos sistemas de biodigestores. A ideia é utilizar o gás produzido na decomposição de dejetos suínos para gerar energia destinada ao abastecimento de veículos da cooperativa, substituindo o uso de combustíveis fósseis.
VINHO SUSTENTÁVEL
Investir em uma matriz energética limpa e renovável também é a aposta da Cooperativa Vinícola Aurora para dar sua contribuição na luta global contra o aquecimento global. Desde 2019, a maior cooperativa de produção de vinhos do Brasil só utiliza energia elétrica proveniente de fonte limpa, totalmente renovável e que não agride o meio ambiente.
“Muito se fala na responsabilidade que uma cooperativa tem com relação aos seus cooperados, aos seus funcionários, mas a Aurora entende que essa responsabilidade vai além do quadro funcional e do quadro social. Faz parte da nossa responsabilidade corporativa trabalhar com iniciativas mais limpas e mais responsáveis na questão ambiental”, afirma a supervisora de Qualidade e Meio Ambiente da Cooperativa Vinícola Aurora Cassandra Marcon Giacomazzi.
Referência nacional na produção de vinhos, com 68 milhões de litros por ano, a cooperativa investe há anos em programas socioambientais e tem um sistema interno de gestão ambiental que já recebeu certificação internacional de qualidade. Uma de suas unidades industriais, em Bento Gonçalves (RS), foi a primeira fábrica de vinho do Brasil a receber o certificado LEED 4.0, que reconhece construções sustentáveis.
Em maio de 2019, a cooperativa decidiu concentrar esforços na atuação contra a crise climática e iniciou o processo de conversão de sua matriz energética. Hoje, toda a energia que abastece as três plantas industriais da vinícola vem de usinas eólica, solar, de biomassa, e de Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) e Centrais Geradoras Hidrelétricas (CGHs), que têm impactos ambientais muito menores que uma usina hidrelétrica de grandes proporções.
A readequação energética da vinícola cooperativa é certificada por uma empresa de gestão de energia e reavaliada anualmente para validar a utilização de energia 100% renovável. A certificação mais recente foi emitida em março de 2023, com vigência para todo este ano.
Com a conversão da matriz energética, desde 2019 a Cooperativa Vinícola Aurora deixou de emitir 1.373 toneladas de CO2 na atmosfera. Apenas em 2022, foram 217 toneladas a menos de gases de efeito estufa emitidos, um esforço equivalente à manutenção de uma floresta com 6 mil árvores, segundo cálculo realizado pela consultoria responsável pela certificação.
“Agora estamos trabalhando em diagnósticos para identificar novas oportunidades, adequações e tecnologias para atuação mais sustentável em outras frentes do nosso processo produtivo”, antecipa a supervisora de Qualidade e Meio Ambiente da cooperativa.
Segundo Cassandra, além do impacto positivo para o planeta, a responsabilidade socioambiental tem impactos diretos sobre o negócio da Vinícola Aurora. Primeiro porque se trata de uma indústria que depende da terra e das boas condições ambientais para seguir produzindo, e, segundo, porque a sustentabilidade se tornou um diferencial competitivo. “
O consumidor está cada vez mais atento ao que compra e de onde provém o produto que está levando para sua família, e as organizações têm que estar cada vez mais ativas em sua responsabilidade socioambiental e no combate ao aquecimento global”, afirma.