ESG: cooperativas estão à frente nos aspectos social e de governança
Enquanto o mundo corporativo começa a abrir os olhos para a necessidade de cuidar não apenas de resultados financeiros, mas do desenvolvimento social, ambiental e da governança, o cooperativismo mostra – mais uma vez – que segue à frente do seu tempo. Pesquisa inédita realizada pelo Sistema OCB, em âmbito nacional, revela: as cooperativas brasileiras já estão afinadas com a pauta ESG (veja quadro). Elas se destacam em quesitos como o cumprimento de leis e normas, conformidade social e ambiental e práticas trabalhistas. Unindo todos os quesitos, a aderência das coops chega a 51,3% — mais da metade de todos os itens avaliados.
Para o presidente do Sistema OCB, Marcio Lopes de Freitas, o achado mais importante da pesquisa DIagnóstico ESG — realizada em parceria com a Galia Consultoria, empresa com 21 anos de experiência na área de consultoria em sustentabilidade e estratégias ESG, com as confederações dos ramos Crédoto e Saúde, além das Organizacões Estaduais cooperativistas.— foi a confirmação de que os cuidados com as pessoas, com o meio ambiente e com a ética na gestão são parte indissociável do do dia a dia das cooperativas brasileiras.
“O ESG está na lista de prioridades da pauta cooperativista", elogia o presidente. "Muitas cooperativas já estão engajadas nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) propostos pela Organização das Nações Unidas (ONU). No universo coop, as principais lideranças já têm conhecimento de ESG. Estão todos muito cientes do tema, esse é o principal achado.”
Já a especialista em sustentabilidade e estratégias ESG, Rosilene Rosado, sócia-fundadora da Gália Consultoria, destaca que a pesquisa trouxe insights importantes para o amadurecimento das práticas sociais, ambientais e de governança das cooperativas.
“O cooperativismo, por princípio, possui vocação natural para práticas sustentáveis, especialmente nas dimensões sociais e de governança. O caráter humanizado do cooperativismo, evidenciado pela forte aderência às práticas como saúde e segurança do trabalho, educação e envolvimento comunitário, reflete uma vocação intrínseca de priorizar o bem-estar humano. A conformidade ambiental também é um indicador da responsabilidade das cooperativas em atuar dentro das normas e regulamentações e interessar-se pelas comunidades onde atuam. Além disso, o foco em ética, integridade e relacionamento estreito com os cooperados sublinha o seu compromisso com uma governança robusta”, avalia Rosilene.
Dimensão ESG |
Principais achados da pesquisa |
Onde as cooperativas se destacam positivamente |
Principais desafios do setor |
Ambiental (o E de Enviroment) |
As cooperativas empenham esforços consideráveis para estar em conformidade com as legislações ambientais no Brasil, que englobam legislações federais, estaduais e municipais. |
*Conformidade ambiental (67,59%) *Respeito à biodiversidade (48,4% de aderência às melhores práticas do mercado) * Uso de fontes de energia renováveis (44,19% de aderência) |
*Combate ao aquecimento global *Uso consciente de água *Geração de resíduos |
Social |
O coop brasileiro está em conformidade social, especialmente nas práticas de trabalho, saúde e segurança do trabalho, educação e formação, e envolvimento com as comunidades. |
*Conformidade social (81,71% de aderência) Boas práticas trabalhistas (62,22% de aderência) Apoio ao desenvolvimento das Comunidades (61,97%) |
*Relação com fornecedores
*Inclusão, diversidade e equidade
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Governança |
O relacionamento com cooperados, a ética e a integridade da gestão foram os tópicos mais proeminentes dentro das cooperativas entrevistadas. Esses resultados evidenciam a proximidade e a confiança que as cooperativas cultivam com seus membros, assim como um compromisso com a condução ética de seus negócios. |
*Relacionamento com cooperados (59,63% de aderência) *Relacionamento com partes interessadas (51,09% de aderência) |
*Análise de impactos da atividade *Riscos e oportunidades ESG * Análise de materialidade, ou seja, capacidade de a cooperativa medir os impactos de suas atividades por meio de indicadores ESG, como o acompanhamento da emissão anual de CO2, o retorno financeiro de programas sociais, etc. Essa medicão ajuda a cooperativa a avaliar sua capacidade de ntregar valor em curto, médio e longo prazo, gerando, inclusive, impacto financeiro à organização
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SOBRE A PESQUISA
O diagnóstico nacional – feito em projeto piloto – foi aplicado em 365 cooperativas de 19 unidades da Federação. A maior parte delas – 258 (71%) – é ligada ao ramo crédito. Em seguida, vêm 43 (12%) do ramo saúde, 31 (8%) do setor agropecuário, outras 31 do ramo infraestrutura e 2 (1%) de outros segmentos.
Cada cooperativa respondeu um questionário de 99 questões em uma plataforma online. As perguntas foram elaboradas com base em uma série de normas, padrões, acordos, tratados e convenções reconhecidas globalmente. O diagnóstico incorporou diretrizes como as Normas da Global Reporting Initiative (GRI), os Princípios Orientadores da ONU sobre Empresas e Direitos Humanos, Convenções da OIT, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e as diretrizes da Força-Tarefa sobre Divulgações Financeiras Relacionadas ao Clima (TCFD).
Com o diagnóstico, pensado e criado para a realidade e o modelo de negócio cooperativo, foi possível mapear o que existe no Brasil. O intuito é poder avançar a partir das descobertas e, em 2024, o Sistema OCB pretende disponibilizar a pesquisa para todas as cooperativas do Brasil em uma plataforma própria, que está sendo desenvolvida para este fim. Nela, além dos próprios resultados, a cooperativa pode fazer comparações com os níveis de aderência de outras coops do seu ramo e, ainda, com os índices nacionais do nosso próprio sistema, em cada um dos temas que ela respondeu. A cooperativa também contará com uma devolutiva que apresentará possíveis pontos de melhoria, visando a reflexão e a evolução da aderência à pauta ESG.
“Responder esse diagnóstico faz com que cooperativas criem mais consciência, pensem sobre processos – olhem para si mesmas – mas também entrega oportunidade de as coops se capacitarem para que entendam melhor do que se trata e se engajem mais nesse mundo”, diz Tomás Nascimento, analista de desenvolvimento de cooperativas do Sistema OCB.
O coordenador de sustentabilidade do Sistema Ailos, Adael Juliano Schultz, concorda e acrescenta: a pesquisa foi um momento de reflexão muito importante para a cooperativa.
"Participar da construção do questionário, liderado pelo Sistema OCB, e estimular nossas cooperativas a participarem, preenchendo o questionário para chegarmos a um diagnóstico, foi extremamente estratégico", comemora Adael. "Agora, a gente consegue visualizar, de uma maneira sistêmica, o desempenho, a nossa aderência às práticas que tanto falamos.”
DESAFIOS
Apesar da aderência às práticas ESG, o analista de desenvolvimento de cooperativas Tomás Nascimento destaca, como desafio, o maior alcance de metas ligadas à parte ambiental. “É um grande desafio não só para o coop, mas para o mundo, de forma geral. É um tema urgente. O clima está mudando em função da atuação humana”, afirma destacando como exemplo as altas temperaturas enfrentadas em todo o globo durante o ano de 2023.
Além disso, há uma tendência no mercado de privilegiar instituições que, de fato, façam a diferença para o meio ambiente e também nos outros dois pilares do ESG. Já está, inclusive, em estudo, no Congresso Nacional, a regulação do mercado de carbono e alguns países da União Europeia exigem certificados que comprovem boas práticas de sustentabilidade para exportação de produtos agropecuários.
Na avaliação de Nascimento, além da urgência ambiental que deve ser encarada da maneira mais séria e responsável possível, estar atento aos critérios de ESG é mais uma oportunidade de o cooperativismo se diferenciar. “É importante para o mundo cooperativo porque isso coloca as coops no mercado. Já tem o diferencial do modelo de negócios que é horizontal, justo e transparente , mas para garantir que as cooperativas continuem a competir em alto nível é importante que elas comprovem que são sustentáveis por meio dessa metodologia que sustenta o ESG”, destaca.
“O mercado e o mundo estão se organizando e se regulamentando para garantir que o ESG de fato aconteça. E ele só vai acontecer por meio da comprovação de que você é sustentável. Isso é importante para ser mais competitivo e garantir fatia do mercado”, conclui.
EXEMPLO NO SERTÃO
Na cidade de Irecê, sertão da Bahia, a maior cooperativa educacional do estado, a Cooperativa de Trabalho Educacional de Irecê (Coperil), está provando que a sustentabilidade não é apenas uma palavra da moda, mas um compromisso sólido com o futuro. Com uma política de sustentabilidade ousada e abrangente, a Coperil tem se destacado como um exemplo de como as cooperativas podem integrar o tripé da sustentabilidade - econômico, social e ambiental - em suas operações.
A sustentabilidade começa no telhado da Coperil, onde painéis solares transformam os raios de sol em energia limpa e renovável. Essa medida economiza custos e reduz a pegada de carbono da escola. Os alunos aprendem sobre as vantagens da energia solar e vivenciam sua aplicação prática.
Já a água recebe um tratamento diferenciado. O recurso condensado pelos sistemas de ar-condicionado é cuidadosamente coletado e usado para irrigar o jardim da educação infantil, criando um ciclo de sustentabilidade que inspira respeito pela natureza nas mentes de todos os estudantes.
A coleta seletiva serve como uma valiosa experiência educativa. Os alunos não apenas aprendem sobre a importância de reduzir, reutilizar e reciclar, mas também têm a oportunidade de ver isso acontecendo dentro da Coperil. O lixo reciclável é encaminhado para cooperativas de reciclagem locais, promovendo a intercooperação, um dos princípios do cooperativismo.
A cooperativa adotou ainda algumas estratégias para minimizar ao máximo o uso de papel. Isso inclui a impressão em frente e verso, a reutilização de papel impresso e a transformação de conteúdo impresso em formato digital.
“Nossas práticas, como a coleta seletiva, o uso de energia solar, a redução do consumo de papel, o reaproveitamento da água dos ares-condicionados, dentre outras, beneficiam o meio ambiente e também fortalecem a educação que oferecemos tornando nossos estudantes cidadãos conscientes e, sobretudo, multiplicadores sociais que compreendem o valor de agir de maneira sustentável. Isso é uma herança duradoura para nossa comunidade”, avalia a diretora executiva da cooperativa, Alaerte Arônia.
SERVIÇO
Quer saber mais sobre o Diagnóstico ESG do coop brasileiro? Então assista ao vídeo gravado pela gerente de desenvolvimento de cooperativas do Sistema OCB, Débora Ingrisano:
https://www.youtube.com/watch?v=btaxQ9rwpYE
Explicando o conceito de ESG
O termo ESG (do inglês environmental, social and governance – meio ambiente, social e governança) tem ganhado grande visibilidade, graças a uma preocupação crescente do mercado sobre a sustentabilidade. As questões ambientais, sociais e de governança passaram a ser consideradas essenciais para o mundo corporativo, colocando forte pressão sobre o setor. Por isso, cada vez mais organizações buscam entender o que é ESG e as adaptações necessárias para estar em conformidade com as exigências.
Em 2004, em um discurso para os 50 presidentes das maiores instituições financeiras do mundo, o então secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Kofi Annan, fez um desafio. Ele pedia soluções para integrar fatores sociais, ambientais e de governança no mercado de capitais até 2030. Surgiu daí a sigla ESG.
O movimento nasceu no mercado financeiro e ganhou corpo, metodologia e indicadores. Há métricas para mostrar o que as instituições fazem em termos de sustentabilidade nas 3 dimensões. Isso é importante porque o mercado exige e o planeta precisa!