Cooperativas de saúde garantem atendimento inclusivo e humanizado a pessoas com deficiência
Cada vez que a enfermeira Cacilda Viana precisava levar os filhos, que têm Transtorno do Espectro Autista (TEA), a um hospital, ela enfrentava obstáculos que a maioria das pessoas nem imagina. A luz excessiva, os sons, as texturas e a movimentação do ambiente provocavam hipersensibilidade nas crianças, uma característica de algumas pessoas com TEA. A experiência pessoal levou Cacilma a propor um projeto inovador de saúde inclusiva à Cooperativa de Trabalho dos Profissionais de Enfermagem e Técnicos Hospitalares (Viddamed), da qual é coordenadora desde 2024.
“Por causa desses estímulos sensoriais, raramente vamos a shoppings, supermercados, porque é muito sofrimento para eles, então é melhor não ir. Mas ao hospital a gente precisa ir por necessidade, seja para realizar alguma terapia ou mesmo para uma consulta de rotina. E, infelizmente, esses ambientes não estão preparados para pessoas com TEA, além de todo o preconceito que já sofremos”, afirma Cacilma, que também recebeu diagnóstico de autismo em 2012, aos 34 anos.
“Não vou dizer que minha vida ficou mais fácil a partir do diagnóstico, mas comecei a entender porque tenho algumas características, algumas dificuldades em determinadas áreas e também certas facilidades neurológicas. Mas também comecei a me excluir de alguns lugares por causa do olhar preconceituoso”, lembra. Além de enfermeira, Cacilma é professora, bacharel em música clássica e atualmente cursa um doutorado em Ciências da Saúde.
Conhecendo a realidade das pessoas com TEA de perto, a cooperada ajudou a Viddamed a desenvolver um serviço de saúde inclusiva adequado às especificidades desses pacientes. A iniciativa começou a ser implementada em Ceilândia, cidade do Distrito Federal a cerca de 40 quilômetros de Brasília.
“Quando uma criança com autismo chega aqui, primeiro ela é acalentada. Depois fazemos o possível para que ela possa se sentir acolhida, reduzimos a iluminação, trazemos balões, às vezes até um bolinho. Tudo isso para que ela possa receber o atendimento médico ou realizar um exame, uma terapia”, explica a coordenadora da coop.
Atualmente, o atendimento inclusivo da cooperativa Viddamed beneficia cerca de 40 pacientes. Com cerca de 700 profissionais de saúde cooperados e atuação em Brasília e Goiânia, a coop se prepara para expandir o projeto. Uma das estratégias para isso, segundo o presidente da cooperativa, Danilo Câmara, é oferecer o serviço em cabines sensoriais móveis, que poderão ser levadas a locais como unidades de saúde, escolas e centros de terapia. A cabine é projetada com iluminação e cores suaves, materiais táteis e elementos visuais simples.
“Entregamos ao governo do Distrito Federal, de forma voluntária, um projeto piloto para começar a trabalhar com a cabine em uma cidade, mas já estamos conversando para que o projeto chegue às 15 regiões administrativas mais vulneráveis do DF. Nossa iniciativa ganhou uma dimensão enorme, com potencial para beneficiar 50 mil pessoas, entre pacientes e suas famílias”, afirmou.
A primeira cabine sensorial da Viddamed deve ser inaugurada ainda em 2025, de acordo com o presidente da cooperativa. A estrutura poderá ser utilizada para realização de consultas, tanto presenciais como remotas, e para contenção de crises de pacientes nos locais onde estarão posicionadas. Além de garantir ambiente inclusivo para pessoas com TEA, o objetivo da cooperativa é promover a capacitação de profissionais de saúde com conhecimento técnico-científico para melhorar o atendimento.
Segundo Cacilma, o acolhimento especializado faz toda a diferença, inclusive para que as pessoas com autismo tenham seus direitos reconhecidos e possam ter qualidade de vida além do ambiente hospitalar.
“Também é parte do nosso trabalho apoiar as famílias das pessoas com autismo a conseguir o laudo de diagnóstico, que pode chegar a custar R$ 6 mil, e até a ter acesso a coisas mais simples, como o cordão de identificação do autismo”, conta. Estampado com peças coloridas que formam um quebra-cabeças, o cordão é um símbolo do autismo reconhecido mundialmente e facilita a identificação de pessoas com TEA para acessar direitos como atendimento prioritário.
“Esse projeto é uma das nossas formas de contribuir com o princípio cooperativista do interesse pela comunidade. O objetivo principal da cooperativa é gerar renda para os seus associados, mas também temos a obrigação de dar retorno para a sociedade. Temos que colocar nosso trabalho a serviço das pessoas e aproveitar nossa expertise, nossa capacidade profissional, para fazer entregas que beneficiem a comunidade, e tem sido um processo extremamente gratificante para todos os cooperados”, afirma o presidente da Viddamed.
Além das palavras
Iniciativas de saúde inclusiva para pessoas com deficiência fazem parte da atuação de cooperativas de saúde em várias partes do país e em diversas áreas. No interior de São Paulo, a Unimed Catanduva promove cursos de Língua Brasileira de Sinais (Libras) para seus colaboradores, promovendo acessibilidade e comunicação inclusiva no atendimento a pessoas surdas.
Em 2019, a cooperativa de saúde paulista fez parte de uma história emocionante: um parto totalmente traduzido em libras que permitiu que os pais surdos acompanhassem cada momento da chegada da filha sem escutar uma palavra.
Desde o começo da gestação, Alani Cristina Melo e o marido dela, Claudinei Melo, foram acompanhados por profissionais da cooperativa de saúde com um pré-natal 100% inclusivo, com a presença de uma intérprete de Libras nas consultas e no curso de gestantes. Com a tradução, Alani recebeu acompanhamento de nutricionistas, assistentes sociais, psicólogos, enfermeiros e médicos, assim como todas as pacientes grávidas atendidas pela cooperativa.
“A ideia surgiu, no começo, da necessidade. Precisávamos de uma ponte de comunicação entre os nossos profissionais e o casal. Mas decidimos ir além. A gente via que a alegria das mães, na sala de parto, é escutar o choro da criança. E queríamos que a Alani sentisse a mesma emoção, mesmo sem conseguir ouvir”, explicou o médico Matheus Schuerewegen, um dos idealizadores do projeto de intérpretes no parto, em entrevista à revista Saber Cooperar.
No dia do parto, a emoção tomou conta de todo o centro cirúrgico do Unimed Hospital São Domingos (UHSD), que pertence à Unimed Catanduva. Com mais de 20 anos de experiência como intérprete da linguagem dos sinais, a arte-educadora Nani Oliveira ficou encarregada de transmitir ao casal toda a emoção do que estava acontecendo: da aplicação da anestesia até o momento da chegada da pequena Elaine Cristina ao mundo.
Com a tradução, os pais puderam entender e acompanhar cada passo do parto e se emocionar com a chegada da filha, mesmo sem escutar o choro do bebê. Depois da experiência de saúde inclusiva com a família de Elaine e Claudinei, o atendimento em Libras na Unimed Catanduva foi ampliado e os colaboradores seguem recebendo capacitação para esse trabalho. Além disso, partos com interpretação em Libras passaram a ser realizados por outras cooperativas de saúde do Sistema Unimed em vários estados do país.
Leia a história completa na edição 27 da revista Saber Cooperar.
Cuidado com empatia
Na capital da Paraíba, a Unimed João Pessoa tem mais exemplos de como as cooperativas de saúde atuam com foco nas pessoas, priorizando o aspecto humano no cuidado com os pacientes. Em meio a investimentos recentes em tecnologia e modernização de suas estruturas, a cooperativa fez questão de desenvolver projetos que priorizam o bem-estar e a integração entre médicos cooperados e clientes.
Um deles é a Terapia Assistida por Animais, em que os pacientes da cooperativa de saúde recebem a visita de cães durante os períodos de permanência nas unidades hospitalares. “É um projeto de saúde inclusiva especialmente importante para crianças, ou seja, no setor de pediatria, e também para os idosos. A presença dos cães faz esse resgate de bons momentos, e isso faz com que substâncias sejam liberadas para que o corpo vença os processos, sejam infecciosos ou traumáticos, da internação”, explica o médico Eduardo Sérgio Soares, coordenador do projeto.
Em outra iniciativa para promoção do cuidado de saúde humanizado, a Unimed João Pessoa criou o Espaço Vida, um ambiente bem diferente de um hospital, cercado por jardins, onde a cooperativa oferece terapias integrativas, que harmonizam a saúde física e mental. Conheça mais sobre os projetos no episódio da série SomosCoop na Estrada sobre a atuação da Unimed João Pessoa.